Desencontros na cidade dos corpos suados
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Imagem gentilmente cedida por Ana Teresa Vicente, Transtopia, 2020. |
A desarmonia que paira no ar por
estes dias é constrangedora, se por um lado esta cidade vive do amontoar dos
corpos por outro é sintomático o reaparecimento do seu comportamento vigilante
perante o corpo estranho. De um modo geral parece difícil para estes corpos se
desapegarem, por mais que seja conselho imperativo do governo assim fazê-lo. Uma
cidade que viveu até há muito pouco tempo entre muros, barreiras e fronteiras. Uma cidade que aprende da história e que
carrega a sua memória, onde todo espaço é um espaço político, atua como lugar
de luta para esses mesmos corpos suados. E quando este mesmo espaço desaparece?
Quando o local seguro que construímos também ele desaparece? Subitamente
retornamos os corpos à sua fragilidade. O seu sentido frágil reside na sua
higienização, sendo este também um conceito mais que cientifico também
político. Falo disto porque para muitos destes corpos o confinamento poderá
gerar sentidos políticos muito perturbadores. Devolver estes corpos às quatro
paredes de sua casa é algo que trespassa a segurança, porque seguros eles nunca
o foram. Aliás eles conquistaram o seu espaço fora de suas casas e devolvê-los
a este estado é profundamente claustrofóbico. Estes corpos são políticos, são
queer, são corpoabilitados e periféricos. São aqueles que se capacitaram
através da sua resistência. A higienização sempre atravessou toda a história
destes corpos, não é algo subitamente novo. Sempre houve a contingência e
sempre houve o medo. Posto isto, será que agora todos entenderemos que vivemos
num corpo e espaço comum? O medo é o sentimento partilhado no momento e que
atravessa todos os nossos corpos.
Falando através de uma perspetiva
pessoal, senti este confinamento como corpo estrangeiro, sair à rua é complexo.
Se já sentia um problema de desentendimento linguístico, agora sinto uma certa
estranheza acrescida por ser uma estrangeira num espaço que é público, mas desconhecido.
No entanto e após pensar sobre
isto sinto que:
Somos todos estrangeiros neste
momento.
Nada é da cidade quando ela está deserta.
Ana Santos
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