Kizomba em tempos de quarentena.

O
Escola de Dança Clássica em Luanda, Bairro do Catambor. 
O que vai ser da kizomba com o Covid-19?
A pergunta que faço tem dois sentidos, um primeiro que se prende com a kizomba enquanto género musical e sobretudo de dança a par, o segundo sentido, mais antropológico prende-se com as questões sociais desta dança, a forma como ela favorecia a proximidade e a relação entre as pessoas. Bem sei que Angola está agora em Estado de Emergência acompanhando quase todo o mundo, mas a kizomba era uma das ocupações mais ludico-desportivas dos dançantes de Luanda, Lisboa, Benguela, Paris e Madrid, sobretudo ao fim de semana. O que vai ser dos professores e professoras que investiram tanto no ensino e promoção desta dança? O que vai ser da kizomba para angolanos, portugueses, cabo-verdianos, guineenses e agora outras nacionalidades que viviam apaixonadas pelo swing deste ritmo? O que vão ser das pistas de dança do BLeza, Maiombe e Muxima, só para falar de lugares de kizomba, em diversas latitudes? 
É que a kizomba pressupõe toque, proximidade e paixão na sua execução. Com a pandemia do Covid-19 esta dança está impedida de se executar por questões de saúde. Uma suspensão que afecta formas de vida em sociedade e o divertimento. Com tudo fechado as pessoas podem dançar em casa, claro, em frente ao espelho é certo, mas todo um conjunto de pessoas se vê agora sem a proximidade da kizomba. Na página 45 da minha tese de mestrado sobre a expansão da kizomba nos festivais que aconteciam um pouco por todo o mundo e que tive a oportunidade de seguir: 
“Um outro dos fundadores do movimento kizomba , António Bandeira , confessa que o sucesso da kizomba  passa pelo contacto entre os corpos, que nas sociedade mais “individualizadas” se tem perdido “a dança por ser de contacto remete para a mãe que recebe nos braços os seus filhos”, uma “tradição” que os africanos não perderam nos seus processos de socialização. O objectivo destes professores é passar esta sensibilidade perdida às sociedades desenvolvidas, o contacto e o afecto, que ainda reside nos africanos e que a kizomba consegue de alguma forma plasmar através do abraço. A transformação de corpos adormecidos são despertos agora por aulas em festivais de kizomba  com professores que vêm “de lá de África” despoletando um conjunto de discursos muito interessantes capazes de dar voz ao corpo que fala, através do acto de dançar. Maria Júlia Carozzi refere: 
“gestos que sonham possibilitando uma comunicação universal e superadora das barreiras “culturais” que a linguagem e as teorias impõem e que ordenam evolutivamente a experiência do movimento e a palavra” (Carozzi, 2011, pp 113). 
Esta experiência do movimento em lugares de sociabilidade estão agora suspensas. A kizomba, festa, divertimento deixa de fazer sentido, deixa de ligar, de abraçar as pessoas nas suas múltiplas diferenças e formas de estar. Esta ideia de uma suposta tradição “africana” mais dada à proximidade cai também por terra, agora derrotada por um virus que usa a kizomba para se passar e infectar a respiração dos dançantes. Aqueles e aquelas que tinham precisamente nesta dança um respiro, uma pausa da vida quotidiana, trabalho, casa, afazeres diários. 
O que vai ser da kizomba, se isto demorar, se não houver vacina?  As pistas de dança estão vazias. O que será da kizomba em Angola num estado de emergência que já está a evidenciar a maior das desumanidades? O que será da kizomba naquele abraço de que me relatava António Bandeira? 

Luandenses e luandinos criaram formas de estar que passa muito pela exibição de dotes de dança nos espaços de convívio social. Lutam por esses momentos, ensaiam, praticam de forma a triunfar nesses espaços e lugares. São até acusados, por vezes, de não serem angolanos e angolanas se não dominam pelos menos aquele passo básico. A evolução da dança corpos foram-se afastando, mas muitos foram-se aproximando. Vale para esta história o kuduro como uma dança atomizada capaz de fazer os luandinos dançar. Enquanto isso o lento bater da kizomba e a sua pulsão estarão suspensas. Como vão os dançantes viver depois de tudo isto passar? 
* Texto originalmente publicado na página pessoal do Facebook.

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